José Marcio Castro Alves entrevistado por João Heitor Montans Condé (11 de Julho de 2011)

Segunda Feira, 11 de Julho de 2011

JHeitor – José, de início, a título de apresentação, fale, em linhas gerais, sobre você: sua origem, família, formação escolar, etc.
José Márcio - Sou filho de uma pobreza limpa, romântica, Flávio e Cidinha, onde as crianças explodiam em criatividade, pois a propaganda era bem menor. Poucas imagens e sons, ao contrario desse mosaico monstruoso que é apresentado às crianças de hoje, desde o nascimento. Somos sete irmãos com uma penca de primos dos dois lados, dos avós maternos e paternos. Dá pra sentir o cheiro do perfume da professora quando pegava em minha mão pra contornar uma vogal no lápis, aquela mão com esmalte e uma voz macia inspirando confiança e ternura. Sempre na garupa do meu pai, o dia todo, ídolo eterno. Casimiro de Abreu é o meu favorito, pois me leva pra lá, seguramente na quadra mais gostosa que a madureza nos remete. A memória nos trai, nos confunde.
Vi televisão aos 12 ou 13 anos e conheci o mar aos dez, quando o meu avô Fabio Meirelles Alves nos levou a Itanhaém lá pelos 1963, por aí. “Minha Campinas, Rancho Iza, casa cheia, vez em quando, volta e meia, tempo voa, faz tempão”. Esse é um versinho de uma música que fiz para a minha mãe por ocasião dos seus 60 anos. Hoje ela já fez 80 e parece que a festa que fizemos pra ela há vinte anos foi esses dias atrás. Fiz o primário em Campinas, admissão em Altinópolis, a primeira série do ginásio no Liceu, em Campinas, e depois viemos pra Ribeirão Preto, Colégios Marista e Otoniel Mota, cigarro, cerveja e vícios precoces, num tempo em que andávamos a pé e conhecíamos a cidade na sola do sapato. Velórios nas casas, lágrimas espontâneas, primeiro amor, carta, correio, espera, serenata, vadiagem, sempre sem dinheiro, coisa errada, coisa certa e ótimas lembranças.
JH – Você tem um gosto musical refinadíssimo e a música sempre fez parte de sua vida. Fale um pouco sobre música.
JM - Aos 15 anos eu dava aulinhas de violão, pegava ônibus e ia até Altinópolis, Brodowski e Orlândia. Tinha um bom ouvido e tocava bem, na opinião dos amigos que, como eu, também não sabiam nada de música. Pegava um alicate e afinava o piano da minha avó, no puro ouvido. Nunca aprendi música corretamente, com partitura, etc. Sou um analfabeto musical, mas sei conversar musicalmente. Quem não tem ouvido ou ritmo, não sabe conversar música, por mais que saiba lê-la ou escrevê-la. É um desastre. Por outro lado, os músicos autodidatas não servem pra muita coisa (exceções não são regras). Música é partitura e deve ser estudada desde a infância, sempre, com se fosse uma matéria da grade escolar. A melhor música do mundo é a música clássica e os melhores instrumentos são os que existem numa orquestra sinfônica. Esse negócio de depender de uma tomada de força (energia elétrica) pra ligar uma guitarrinha, tecladinho, etc., não serve pra nada. Violão também não serve pra nada. Um piano, um violino, um cello, aí sim. A pessoa que domina um desses instrumentos vira alguma coisa com mais facilidade. O Roberto Minczuk é trompista e um grande músico, sabe tudo. Os grandes músicos populares sabem música, e saber música é saber a música clássica, ler, escrever e tocar. Os melhores compositores populares do mundo sabem música como deve ser sabida. O Villa-Lobos é um dos melhores músicos do mundo. Os compositores norte americanos são ótimos, aqueles do início e meados do Século XX. Aqui temos a Chiquinha, o Sinhô, Pixinguinha, Jacob do Bandolim, o Noel, o Ary, o Vadico, o Radamés, o Tom Jobim, etc., (tem mais uns 50 ou 100). Eles foram na onda deles, dos clássicos e dos norte americanos, na forma deles, mas com um bom conhecimento da música clássica, da escrita, da pauta, a grande música. Temos ótimos compositores no Brasil, mas os bons mesmo sabem música e escrevem música como deve ser escrita, no tom certo.
Hoje, no quesito música brasileira, gosto mais de música sinfônica, da jazz sinfônica tocando alguma coisa, da OSESP, enfim, de uma boa orquestra tocando, afinadinha. Música cheia, alegre. Nada de violãozinho doméstico debaixo do braço, naquelas rodinhas horrorosas de musiquinhas chatas e sem qualquer beleza sonora. Pouquíssimas vezes ouvi música boa no Brasil de uns 30 ou 40 anos pra cá, sempre mais ou menos. Os melhores discos do nosso cancioneiro popular ou erudito são aqueles em que havia uma boa orquestra tocando. Nunca ouvi o Frank Sinatra cantar sem uma ótima orquestra ou cantar essas porcarias metafóricas com sofismas idiotas que se compõe por aqui, como aquelas verborréias de letras inúteis que servem apenas pra encher o saco. Mas você é obrigado a gostar daquela porcaria senão eles te cortam, etc. Música feia não me apetece. É o que se faz em muito por aqui. Outro dia eu vi a banda Pó de Café (Ribeirão Preto) tocando ótimas músicas. Dá gosto de ouvir. De cada 100 mil composições brasileiras com letra, uma ou outra dá pra suportar. A musica popular norte americana é a melhor música popular do mundo. É o que eu gosto de ouvir.

JH – Tudo o que você faz na vida é com maestria e os resultados são sempre surpreendentes. Hoje você se dedica à produção e edição de vídeo. Como é trabalhar com isso?
JM - Quanto aos filminhos que adoro fazer, me dê alguns retratos e uma entrevista que eu te conto uma historinha. Gosto de história. Sou um memorialista. Gosto de editar, sonorizar. Contei a história da minha terra natal (Altinópolis) ouvindo uns velhinhos no banco do jardim e ficou boa. Se pegarmos todas aquelas falas e passarmos pro papel, juntamente com as fotos, dá um livro útil e gostoso de ler. Sou meio autodidata em muitas coisas, relaxado em outras, mas o que eu gosto mesmo é de fazer documentários, filmar, entrevistar e editar. Já fiz uma porção deles e todos com boa aceitação, apesar de serem filminhos caseiros. A Rosana Zaidan foi a minha grande professora. Aprendi muito com ela e ela adora tudo o que eu faço. Dinheiro? Mal dá pro cafezinho.

JH – Você é uma pessoa sincera, mesmo que isso lhe traga alguns dissabores. O que é e o que representa a formação moral e a retidão de caráter?

JM - Sou um admirador da Constituição dos Estados Unidos da América e de todos aqueles homens que ajudaram a escrevê-la. “Se acaso você sobreviver a um naufrágio, construa um farol”. Esse é o lema deles. Admiro Martinho Lutero e a sua filosofia, admiro as artes e as ciências, as coisas que realmente importam e que vieram pra ficar. Creio que a boa educação provém dos livros e dos mestres que te orientam a pensar por si, ao contrário do coletivismo. Uma nação se faz com homens e livros, balizados na moral Cristã e na alta cultura. Meus mestres são vários, mas agradeço muito ao Olavo de Carvalho que me abriu os olhos um pouquinho pra ver com clareza o que não conseguia ver. Quer estragar um filho no Brasil de hoje? Deixe a televisão  ligada e matricule-o em qualquer escola, privada ou pública (a maioria). Em poucos anos você terá um produto desse meio papagueando o que há de pior na espécie.